Bússola dos Tempos・223

Bússola dos Tempos・223

Lutar contra o niilismo

Keiko Takahashi


Sinais da mudança

O momento de sair do longo túnel da pandemia da Covid-19 está se aproximando. No final de agosto, foi anunciada uma política governamental para deixar de identificar todos os casos de Covid-19 e focar principalmente em pessoas com risco de agravamento.

Isto equivale a mudar de uma doença infecciosa de categoria 2, que requer notificação e quarentena, para uma doença de categoria 5, onde ambas as exigências não são mais necessárias na prática.

É claro que os idosos e aqueles com comorbidades que apresentam risco de agravamento precisam ter muito cuidado, mas para muitos outros é provável que as medidas sejam basicamente as mesmas da influenza.

Em outras palavras, o Japão finalmente alcançou o padrão de medidas da Europa e dos EUA. No sentido concreto, isso significa que a Covid-19 foi superada.

A possibilidade de uma revitalização não apenas da atividade econômica estagnada, mas também das atividades das pessoas, que em muitos aspectos foram suprimidas e contidas, está prestes a se tornar realidade pela primeira vez após anos.

Novo obstáculo – o niilismo

No entanto, não podemos simplesmente afirmar que o fato da pandemia da Covid-19 estar mostrando sinais de chegar ao fim mudará toda a situação de forma positiva. Isso significa que ainda temos desafios a superar.

Tenho mencionado sobre o que realidade da “era do impensável” tem provocado, a começar pela pandemia da Covid-19. Não seria exagero dizer que nos últimos dois anos e meio, a nova doença infecciosa afligiu o mundo inteiro, arremeçando-o a um abismo da desordem. Os encontros e reuniões de pessoas foram severamente restringidos, e o setor de restaurantes, o transporte de passageiros como o setor ferroviário e o setor da aviação, a indústria de eventos e o setor de turismo foram todos duramente atingidos.

E não somente isso. A pandemia da Covid-19 não apenas apresentou um fardo pesado nas dimensões práticas das nossas vidas diárias, mas também lançou uma impetuosa sombra na parte interior de nós seres humanos.

No Japão, os encontros das pessoas e o engajamento de todos os tipos foram suprimidos, levando as pessoas a ficarem confinadas em suas casas e a evitarem a interação com outras pessoas. Implícito neste processo, o niilismo, onde os sentimentos positivos iam se desarraigando e não se via sentido de ter esperança para o futuro, progredia.

Trata-se de uma sensação de desânimo que não podemos fazer nada sozinhos. Em comparaçaõ ao passado, é difícil produzir ações e escolhas positivas, e sentimos desencorajados. Por alguma razão, estamos sendo dominados por um estado de espírito negativo. Quando pensamos sobre isso de forma consciente, talvez muitos de nós, de alguma forma, temos essa sensação.

E dentro desse contexto, a subsequente invasão unilateral russa à Ucrânia e o assassinato inesperado do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe podem ter fortalecido ainda mais o niilismo que vinha se difundindo no sentimento da população e estar nos aprisionando com uma força indescritível.

Os problemas mentais, na realidade, tendem a começar mais tarde e a progredir de forma mais invisível do que os problemas físicos. E seus efeitos se manifestem na realidade de forma ainda mais tardia.

Confrontar o niilismo que surgiu da conturbação dos últimos anos é nada menos que um desafio que temos pela frente.

Lutar contra o niilismo

Agora que a pandemia da Covid-19 começa a mostrar sinais de estar chegando ao fim, podemos dizer que a “era do impensável” a ser enfrentada está entrando em um novo estágio, numa nova fase.

Seremos confrontados pelo novo obstáculo chamado niilismo trazido pela lâmina (instrumento cortante) desta era. Temos que considerar quão aterrorizante é o impacto desse niilismo em nossa realidade e em nossas vidas.

O niilismo enfraquece a esperança que existe no interior do ser humano. Extirpa a chama das aspirações e dos propósitos, e prejudica a reverberação e a ressonância. Como resultado, o mesmo corta os laços das pessoas, colabora com a impiedade do Nindo1 e fortalece as correntes que promovem a “Lei da Desintegração2“.

Será que não é por isso mesmo que agora devemos lutar contra o niilismo que se aninha dentro de nós? Para recuperar a capacidade de acreditar em nós mesmos e nas pessoas com quem convivemos. E para restaurar a esperança para o futuro.

Notas do editor:

1. Nindo

As coisas raramente são conduzidas como desejamos, e a realidade está sempre repleta de provações e injustiças. “Utilizei a nomenclatura budista para descrever que este mundo é o Nindo, o fato de que este mundo não é o paraíso.” No ideograma japonês Nindo significa literalmente um lugar onde se vive com uma lâmina sobre a mente, um lugar onde temos que suportar. Viver no Nindo significa que devemos aceitar o que é doloroso e insuportável.
(Extraído página 58 do livro A Razão Pela Qual Você Nasceu, versão original em japonês)

2. Lei da Desintegração

A Lei da Desintegração está expressa no Budismo como Lei da Impermanência (Shogyo Mujo) e a ciência demonstra como a segunda lei da termodinâmica, a lei da entropia crescente (entropia é uma quantidade física que expressa complexidade e desordem).  No nosso mundo, todas as coisas encaminham-se para a desordem, e da forma como estão jamais se dirigem para a ordem oposta. (Extraído e sintetizado da p.150 do livro A Era Em Que Todos Vivem O Seu Melhor, versão original em japonês)